domingo, 14 de março de 2010

A Senil do Rádio




Quando eu tinha 7 anos, estudava na Escola Estadual Enéias de Oliveira Guimarães e tinha vários sonhos.

Alguns deles bem difíceis de se concretizarem por motivos financeiros ou de ordem familiar. Para compensar este déficit, minha mãe sempre pegava o fusquinha azul do meu tio, me capturava na escola e me comprava um sonho na padaria que ficava no caminho do meu lar.

Uma tarde qualquer eu e minha mãe realizamos nossa rotina: Escola, padaria, quatro pães e um sonho, entrada no veículo azul, me auto jogar para o banco de trás já abrindo o pacote e ignição do veículo. Ao tentar nos deslocarmos fomos barradas pelo corpo de uma senhora idosas com um velho e grande rádio na mão.

Pacientemente minha mãe freia e espera que ela conclua a travessia da rua, coisa que eu percebi que não aconteceria por detectar um olhar ensandecido na senil. Posicionei-me no centro do banco de trás para melhor visibilidade e percebi que o semblante de minha mãe começava a demonstrar aflição... Aliás, segundos depois percebi pânico em sua face quando aquela mulher começou a ameaçar lançar o rádio no pára-brisa do nosso transportador.

Trânsito interrompido. Vários pedestres em volta da gente enquanto aquela senhora continuava sua ameaça. A situação me fez deixar o sonho de lado, bem fechadinho no saquinho Kraft.

Apesar de ser bem filhote eu sempre tive um lado adulto desenvolvido. Compreendia muito bem as dificuldades que passávamos na época e nunca fui de reclamar. Acredito que por isso eu eu conseguia ser mais sensível e perceber melhor fatos que surgiam constantemente. Entendi que aquela senhora sofria de distúrbios graves, sabia que minha mãe estava apavorada (mais ainda por minha causa) e eu precisava ajudá-la naquela situação. Assustada eu não estava e fiz questão de avisá-la caso ela estivesse pensando no caso. Comecei a questionar sobre problemas mentais e que a vida daquela senhora não deveria ser fácil. Em alguns momentos daquele breve diálogo, começamos a rir. Minha mãe também sabia brincar com situações rebarbativas.

Enquanto isso, dois homens continuavam a conversar com a criatura ensandecida tentando que ela não jogasse o rádio na gente. Apesar da boa vontade dos senhores distintos, comecei a ficar irritada com a cotocágem ou excesso de zelo por parte deles. Era uma senhora. Bem magra. O rádio era bem antigo e pesado, pois percebíamos a força praticada para mantê-lo no auto de sua cabeça e nos seus movimentos para jogá-lo que eram freiados pela a própria. Por quê o senhor da esquerda não se aproximava rapidamente e segurava seu pulso?!

Para mim, aquela situação estava fácil de ser resolvida. Percebo que muitas vezes o problema existe e que a solução, mesmo que complexa, existe também só que quem tem que fazer algo age com cotocagem... IMpressionante!

Resultado, depois de muitos minutos, a senil do rádio realmente jogou o rádio no carro. Realmente acertou no pára-brisa que não quebrou. Acredito que justamente pelo fato da senhora não ter força. O vidro não se quebrou... Quem mais sofreu com aquilo tudo foi minha mãe com toda aquela tensão. Lamentável.

Depois de todo o processo desnecessário, seguimos em frente enquanto eu abria o saquinho e voltava a interagir com meu sonho. A lição que eu percebo hoje ao me recordar desta passagem da minha vida?! “Em alguns momentos na vida temos que deixar o sonho armazenado, mas sabendo que em breve teremos a chance de voltar para ele.”

Um comentário:

  1. ai kelinha AMEI este post! vc que sempre me mata de rir, hoje me emocionou... muito lindo o texto.
    beijos e amo-te amiga!!

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